A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou a jurisprudência segundo a qual o reconhecimento de abuso do direito de ação é excepcional, por estar intimamente atrelado ao acesso à Justiça, devendo ser analisado com prudência pelo julgador e declarado apenas quando o desvirtuamento do exercício do direito de ação for amplamente demonstrado.

Com esse entendimento, os ministros afastaram a condenação por danos morais de três ex-vereadores do município Rio do Sul (SC) em razão de ação popular ajuizada por eles para impugnar a venda de um imóvel pela prefeitura. Os ex-vereadores haviam sido condenados nas instâncias ordinárias porque teriam utilizado a ação popular para fins políticos.

A ação popular foi ajuizada em 2011 com o argumento de que não haveria interesse público que justificasse a venda do imóvel, o qual teria utilidade para o município – tanto que, posteriormente, foi alugado à prefeitura pelos compradores.

Depois que a ação foi julgada improcedente, os adquirentes do imóvel ajuizaram o pedido de indenização por danos morais. O magistrado de primeiro grau condenou os autores da ação popular em R$ 10 mil cada, valor mantido pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC).

Presc​​rição

No recurso especial, os ex-vereadores alegaram a prescrição da ação indenizatória – ajuizada em 2015, mais de três anos após a ciência do ajuizamento da ação popular.

O relator, ministro Villas Bôas Cueva, lembrou que a jurisprudência do STJ adota a teoria da actio nata, segundo a qual a pretensão de indenização surge apenas quando há ciência inequívoca da lesão e de sua extensão pelo titular do direito violado.

No caso, o ministro entendeu que o pedido de indenização não se fundamentou apenas no ajuizamento da ação popular, mas na extensão dos danos alegadamente provocados no curso daquele processo. Para ele, não houve a prescrição da pretensão indenizatória, pois a alegada ofensa moral perdurou enquanto tramitou a ação popular.

Dir​​eito de ação

No entanto, o relator observou que os fundamentos adotados pelo TJSC, para manter a condenação dos ex-vereadores por danos morais decorrentes de abuso do direito de ação, referem-se à improcedência da ação popular, nada havendo que justifique a indenização por ofensa à honra e à imagem.

Segundo o ministro, o acórdão cita vários trechos da sentença de improcedência da ação popular nos quais o juiz afirma não haver provas quanto às alegações dos autores, o que é insuficiente para demonstrar o suposto desvio de finalidade da ação popular, ou mesmo leviandade processual dos ex-vereadores.

Do mesmo modo, o fato de terem apontado possíveis ilegalidades na alienação do imóvel público e uma suposta proximidade entre o prefeito e os compradores não é suficiente, por si só, para caracterizar ofensa de cunho pessoal.

“A análise da configuração do abuso deve ser ainda mais minuciosa quando se tratar da utilização de uma ação constitucional, como é o caso da ação popular, voltada para a tutela de direitos coletivos e um importante instrumento para a efetivação da democracia participativa, pois possibilita a participação do cidadão na gestão da coisa pública”, declarou o ministro.

Villas Bôas Cueva ponderou que, mesmo sendo válida a preocupação do julgador com um eventual uso político da ação popular – o que significaria desvirtuamento do instituto –, essa análise deve se pautar pela prudência, “de modo a não coibir o seu uso diante de possíveis lesões ao patrimônio público e à moralidade pública”. REsp 1770890

Leia o acórdão.

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