O reconhecimento espontâneo de paternidade, ainda que feito por piedade, é irrevogável, mesmo que haja eventual arrependimento posterior. Com base nesse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) restabeleceu sentença que havia julgado improcedente o pedido de anulação de registro de paternidade proposto por um dos herdeiros de genitor falecido.
De forma unânime, os ministros entenderam que a existência de relação socioafetiva e a voluntariedade no reconhecimento são elementos suficientes para a comprovação do vínculo parental.
Em ação de anulação de testamento e negatória de paternidade, o autor narrou que seu pai, falecido, havia deixado declaração testamental de que ele e dois gêmeos eram seus filhos legítimos.
Todavia, o requerente afirmou que seu pai estava sexualmente impotente desde alguns anos antes do nascimento dos gêmeos, em virtude de cirurgia cerebral, e que teria escrito um bilhete no qual dizia que registrara os dois apenas por piedade.
Adoção à brasileira
O juiz de primeira instância negou o pedido de anulação por entender que o caso julgado se enquadrava na chamada “adoção à brasileira”, equivalente a um legítimo reconhecimento de filiação.
Em segundo grau, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) anulou a sentença e determinou a realização de perícia grafotécnica no bilhete atribuído ao falecido, além da verificação do vínculo biológico por meio de exame de DNA.
Os gêmeos e a mãe deles recorreram ao STJ com o argumento de que, como o falecido afirmou ter reconhecido a paternidade por piedade, não haveria mudança na situação de filiação caso a perícia grafotécnica e o exame de DNA comprovassem não ser mesmo ele o pai biológico.
Vínculo socioafetivo
Inicialmente, o ministro relator, Luis Felipe Salomão, esclareceu que a adoção conhecida como “à brasileira”, embora à margem do ordenamento jurídico, não configura negócio jurídico sujeito a livre distrato quando a ação criar vínculo socioafetivo entre o pai e o filho registrado.
Em relação ao caso analisado, Salomão salientou que o falecido fez o reconhecimento voluntário da paternidade, com posterior ratificação em testamento, sem que a questão biológica constituísse empecilho aos atos de registro. Para o relator, a situação não configura ofensa ao artigo 1.604 do Código Civil, que proíbe o pedido de anulação de registro de nascimento, salvo em caso de erro ou falsidade de registro.
“Se a declaração realizada pelo autor, por ocasião do registro, foi inverdade no que concerne à origem genética, certamente não o foi no que toca ao desígnio de estabelecer com os infantes vínculos afetivos próprios do estado de filho, verdade social em si bastante à manutenção do registro e ao afastamento da alegação de falsidade ou erro”, afirmou o ministro.
Salomão também ressaltou que o curto período de convívio entre pai e filho – situação presente no caso – não é capaz de descaracterizar a filiação socioafetiva.
O ministro relator também lembrou o entendimento da Quarta Turma no sentido de que a contestação da paternidade diz respeito somente ao genitor e a seu filho, sendo permitido aos herdeiros apenas o prosseguimento da impugnação na hipótese de falecimento do pai, conforme estabelece o artigo 1.601 do Código Civil.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.