A 2ª Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento a um recurso da Vale que questionava uma regra da Câmara de Arbitragem do Mercado, conhecida como Câmara B3. Dessa forma, o colegiado anulou a indicação de árbitros feita pelo presidente da instituição no âmbito de uma disputa da mineradora com fundos internacionais.

Conforme os autos, a Vale trava na B3 uma disputa contra 123 fundos de investimento estrangeiros, que são seus acionistas.

Na ação, a mineradora questiona a aplicação do item 3.6 do Regulamento da Câmara, que determina que, se houver mais de uma parte requerida ou requerente, estas, conforme seus interesses em comum, deverão indicar conjuntamente um árbitro. Na ausência de consenso, o presidente da Câmara indicará todos os árbitros.

 A Vale pediu o afastamento dessa regra por entender que a decisão do presidente de indicar todos os julgadores havia favorecido os fundos de investimento. Em primeiro grau, o pedido foi negado. A mineradora, então, recorreu ao TJ-SP.

O relator da matéria, desembargador Sérgio Shimura, votou por dar provimento ao recurso da Vale. O julgamento, porém, foi suspenso por pedido de vista dos desembargadores Maurício Pessoa e Jorge Tosta.

Direito ao contraditório

O caso voltou à pauta do tribunal paulista na última terça-feira (18/11). A maioria do colegiado acompanhou o relator. Para os desembargadores, a Vale teve seu direito ao contraditório violado.

Em seu voto, Shimura analisou que, no procedimento arbitral em análise, os fundos estrangeiros indicaram coárbitros por sete vezes. Todos, porém, renunciaram ou desistiram.

Como nenhuma das indicações deu certo, os investidores passaram a defender a aplicação do item 3.6 do regulamento interno da Câmara. O presidente, então, acolheu os argumentos dos fundos, nomeou todos os três membros do painel arbitral e tornou sem efeito a nomeação da árbitra indicada pela Vale.

O colegiado entendeu, no entanto, que a decisão do presidente violou o próprio regimento da Câmara. Os desembargadores citaram que a intervenção do Judiciário não diz respeito ao mérito da análise arbitral, mas à aplicação correta da regra da Câmara.

A decisão do presidente, para os desembargadores, ofendeu o direito da Vale de nomear seu coárbitro, previsto expressamente na Lei 9.307/1996. O requisito da ausência de consenso, necessário para a aplicação da item 3.6, não foi preenchido.

“A Vale S.A. não pode ser prejudicada pelo fato de os solicitantes da arbitragem (ora réus apelados) não terem conseguido indicar seu coárbitro, sob pena de ofensa às prerrogativas previstas tanto na Lei n.9.307/1996, como no Regulamento da Câmara de Arbitragem do Mercado“, escreveu Shimura.

“Trata-se de caso interessante que prestigiou a nomeação de árbitra, já aceita pelo Comitê de Impugnação da Câmara, portanto não poderia ser revista pela direção, impondo-se a aplicação do devido processo legal”, comentou Olavo Alves Ferreira, procurador do estado de São Paulo, árbitro e colunista da revista eletrônica Consultor Jurídico.

Soberba arbitral

Em sua análise, o desembargador Mauricio Pessoa, que acompanhou o relator, disse que a eficácia e a legitimidade da arbitragem decorrem, também, do controle de legalidade feito pelo Judiciário.

“A exclusão do controle judicial do procedimento arbitral fere de morte o artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, até porque se as partes da arbitragem não puderem acessar o Poder Judiciário para sanar eventual nulidade procedimental, aqueles a quem a decisão arbitral for dirigida estarão fadados a ter de com ela conviver, mesmo quando verificada a sua manifesta desconformidade com as garantias fundamentais do devido processo legal e da própria autonomia da vontade que fundamenta o instituto”, escreveu Pessoa.

Para o desembargador, a reclamação da Vale não tratava da arbitragem em si, mas da forma como o processo foi conduzido. “Não vingam, portanto, as alegações de que como e o que aqui se decide instaurará grave insegurança no sistema arbitral brasileiro e ampliará a desconfiança de investidores estrangeiros no país.”

Essas alegações, segundo ele, são ad terrorem (estratégia de argumentação que usa o medo e a ameaça de resultados catastróficos para persuadir), e atribuem ao sistema arbitral a impossibilidade de falhas. É justamente essa postura, para o desembargador, que desacredita a arbitragem.

Ele também concordou com Shimura quanto à falta de consenso. “Ao submeter a apelante à norma da cláusula 3.6 do regulamento, a partir de atos e de fatos por ela não gerados, o presidente da Câmara de Arbitragem do Mercado subjugou o direito que ela exerceu regular e necessariamente de nomear a árbitra”, concluiu.

Os advogados Celso Xavier Daniel Schaffer, do escritório Xavier Gagliardi Inglez Schaffer, atuaram no caso em defesa da Vale.

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Processo 1129029-43.2024.8.26.0100

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