1. Introdução
Em um cenário empresarial marcado por alta competitividade e constante instabilidade regulatória e econômica, o planejamento societário deixou de ser opcional para se tornar um diferencial estratégico de sobrevivência e longevidade empresarial.
Nesse contexto, a contratualização das sociedades empresárias – entendida como a elaboração inteligente e personalizada dos instrumentos societários, como contrato social, estatuto social, acordo de sócios e protocolos de governança – assume papel central como mecanismo de proteção, organização e alinhamento de expectativas entre os sócios.
Embora o direito societário brasileiro contenha normas cogentes relevantes (especialmente no CC de 2002 e legislações específicas), o ordenamento jurídico confere ampla liberdade para que os sócios moldem a arquitetura jurídica da empresa conforme seus interesses, sobretudo nas sociedades limitadas e sociedades por ações.
A promulgação da lei da liberdade econômica (lei 13.874/19) consolidou essa lógica ao reforçar a autonomia privada como pilar das relações empresariais. A alteração do art. 421 do CC consagrou que a liberdade contratual deve prevalecer sempre que compatível com a função social do contrato, estabelecendo expressamente que o Estado deve adotar postura de intervenção mínima e revisão excepcional dos pactos privados.
Quando buscamos aplicar regras societárias para organização das famílias, devemos ter cautela e estratégia para direcionar a aplicação correta do instrumento jurídico, para evitar gerar impactos negativos sob ponto de vista econômico e também sobre a harmonia familiar dos envolvidos.
Muito tem se falado na organização de patrimônios familiares por meio da “pejotização”, utilizando-se instrumentos como a constituição de holdings, que podem assumir tipos societários distintos, sendo os mais comuns a limitada e a sociedade anônima.
O que pouco se fala é como a falta de gestão de ensino sobre a governança pode colocar em jogo a realidade pragmática dessas famílias, especialmente quando não estão preparados para o jogo societário, com a exigência de comportamento para assumir direitos e deveres como sócios/acionistas dessas estruturas.
A realidade se torna mais dinâmica, porém não menos burocrática, quando tratamos de Empresas Familiares, que de fato, já possuem uma estrutura jurídica constituída para operação de bens e direitos que são aplicados na formação de riquezas da família.
As empresas familiares fazem parte de 90% da estrutura empresarial do Brasil, no entanto, há uma alta taxa de mortalidade quando ocorre a transição intergeracional, e são muitas as variáveis que definem o sucesso ou o fracasso no momento da sucessão, seja pela troca do bastão ou até mesmo pelo falecimento de um sócio controlador.
Como abordagem pragmática das orientações jurídicas nos atendimentos à Empresas Familiares, percebemos que há uma grande falha na estruturação societária, refletida pela ausência de cláusulas específicas do planejamento patrimonial e sucessório e pela falta de implementação da governança familiar, com viés específico de garantir o futuro das organizações.
2. Sociedades empresárias como instrumento de organização do patrimônio familiar.
No ordenamento jurídico brasileiro, a empresa é compreendida não como um ente estático, mas como uma atividade econômica organizada voltada à produção ou circulação de bens ou serviços – conceito consagrado no art. 966 do CC.
Essa concepção funcional evidencia que empreender envolve muito mais do que simplesmente exercer uma operação comercial: exige estrutura, continuidade e racionalidade estratégica.
Sob essa perspectiva, o “empresário” moderno não pode restringir sua atenção apenas à atividade operacional. O verdadeiro desafio está na estruturação das bases institucionais que sustentam o negócio ao longo do tempo, especialmente porque, em grande parte das empresas brasileiras, os sócios não estão apenas vinculados por um objetivo econômico (affectio societatis), mas muitas vezes por relações familiares, o que por certo adiciona camadas afetivas, sucessórias e patrimoniais à dinâmica empresarial.
Dentro desse cenário, destacam-se as sociedades limitadas e as sociedades anônimas como os modelos mais utilizados tanto para operações empresariais quanto para organização patrimonial e sucessória familiar.
A sociedade limitada, prevista nos arts. 1.052 a 1.087 do CC e regulamentada administrativamente pela IN DREI 81/20, tornou-se o tipo societário predominante no Brasil em razão da responsabilidade limitada dos sócios e da flexibilidade contratual que oferece. Sua constituição se formaliza por meio do contrato social, instrumento central que define elementos estruturais como objeto, capital social, divisão de quotas, administração e regras de governança. Pode ser unipessoal ou pluripessoal e é amplamente utilizada desde microempresas até grandes grupos empresariais.
Já a sociedade anônima (S.A.), regida pela lei 6.404/1976, apresenta arquitetura mais sofisticada e propícia à governança formal, com órgãos estruturados como assembleia, diretoria e conselho de administração e fiscal. Seu capital é dividido em ações, e a responsabilidade dos acionistas é limitada ao valor que subscrevem. Pode ser aberta (com ações negociadas no mercado) ou fechada, modelo este amplamente adotado por grupos empresariais familiares de grande porte.
Ao observarmos esses modelos, fica claro que a contratualização societária vai muito além de mera formalidade burocrática. Trata-se da oportunidade de criar um sistema normativo interno próprio, fundado na autonomia privada e capaz de oferecer previsibilidade, governança e segurança jurídica.
A contratualização aqui indicada se materializa principalmente por meio do contrato social, do estatuto social e dos acordos parassociais, podendo ainda ser reforçada por protocolos familiares, regimentos internos e documentos auxiliares.
Ainda que existam limites impostos por normas de ordem pública, o ordenamento jurídico brasileiro abre espaço expressivo para que os sócios personalizem as regras do jogo: administração, entrada e saída de sócios, distribuição de lucros, sucessão, restrições à circulação de quotas ou ações, mecanismos de resolução de conflitos, entre outros temas estratégicos.
Diante desse cenário, a contratualização deixa de ser mera formalidade registral e assume um caráter essencialmente estratégico, qual seja, atuar como instrumento de planejamento empresarial e familiar, reduzindo incertezas, prevenindo litígios e garantindo a perpetuidade e a harmonia do empreendimento.
Quando bem estruturados, esses instrumentos não apenas legitimam a atividade desde sua constituição, mas acompanham o ciclo de vida da empresa, servindo de base para fases de expansão, reorganização, sucessão e eventual liquidez ou venda.
3. Conclusão:
A organização patrimonial por meio de sociedades empresárias revela-se como ferramenta necessária e altamente estratégica, representando uma forma de buscar longevidade negocial com solidez, clareza e estabilidade das relações entre os sócios.
O contrato social, o estatuto e os acordos de sócios ou acionistas, quando bem elaborados, não apenas estruturam juridicamente a empresa, como também funcionam como instrumentos de governança, gestão patrimonial e sucessão, trazendo eficiência, transparência e poder de execução específica dos atos.
Além disso, quando trabalhamos com empresas familiares, recomendamos ainda a elaboração do protocolo familiar, que é um instrumento que visa reconhecer o valor, a missão e a visão dos membros que estão empregando esforços na manutenção da atividade.
E apesar de termos 90% de empresas familiares no Brasil, somente 28% das empresas possuem alguma estrutura de formalização de governança, seja com acordo de sócios, seja com protocolo de família e até mesmo criação de conselhos, o que de fato, reforça a ideia de além de utilizarmos a estrutura das sociedades, temos que realizar a constituição utilizando técnicas e estratégias que são aplicáveis de maneira personalizada àquelas famílias, especialmente, visando o planejamento e a longevidade.
É importante ainda dizer que o fato de o patrimônio estar organizado em torno de um CNPJ, este, por si só, não é capaz de gerar segurança e eficiência na organização dos bens e da família.
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Referências
BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível aqui. Acesso em: 21 out. 2025.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA (IBGC). Código das melhores práticas de governança corporativa. 6. ed. São Paulo: IBGC, 2023. Disponível aqui. Acesso em: 21 out. 2025.
SEBRAE. Vantagens e desafios na gestão das empresas familiares. Disponível aqui. Acesso em: 21 out. 2025.
Mamede, Gladston; Cotta Mamede, Eduarda; Cotta Mamede, Roberta. Manual de Redação de Contratos Sociais, Estatutos e Acordos de Sócios. 8.?ed. São Paulo: Atlas, 2024.p. 529.








