A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que, reconhecendo a culpa recíproca de uma concessionária e uma montadora de veículos pela rescisão do contrato entre elas, dispensou-as do pagamento das indenizações previstas na Lei 6.729/1979, conhecida como Lei Ferrari.
Durante a concessão para revenda de automóveis e prestação de serviços, as infrações contratuais praticadas pela concessionária foram consideradas graves o suficiente para provocar a resolução do contrato, mas a montadora concedente não observou o regime de penalidades gradativas previsto em lei.
No recurso ao STJ, a concessionária argumentou que a declaração de culpa recíproca não justificaria o afastamento das indenizações, e pediu que fosse assegurada a apuração do valor indenizatório de cada uma das partes. A montadora – em outro recurso especial – sustentou seu direito à indenização, mesmo que a rescisão do contrato não tenha sido precedida da aplicação gradativa das penalidades.
Condição indispensável
Segundo o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, o STJ entende que a aplicação de penalidades gradativas é condição indispensável para a resolução do contrato de concessão por infração contratual, independentemente de prévia regulamentação por meio de convenção da marca (artigo 22, parágrafo 1º, da Lei 6.729/1979).
O magistrado lembrou que a norma que determina a aplicação de penalidades gradativas tem aplicabilidade imediata, de modo que, não havendo convenção da marca, caberia à montadora, na condição de concedente, inserir essa previsão em seus contratos, a fim de atender ao comando legal.
Para o relator, foi justa a solução encontrada pelo TJSP. “Essa solução para a lacuna normativa da Lei Ferrari, a meu juízo, merece ser encampada por esta Corte Superior, ainda que pelos outros fundamentos declinados neste voto, tendo em vista a necessidade de se atribuir alguma consequência jurídica para o descumprimento da norma que exige a gradação de penalidades. Do contrário, a referida norma se tornaria letra morta, frustrando, assim, o escopo da lei, que é proteger o concessionário ante a posição econômica dominante da montadora na relação contratual”, afirmou.
Liberdade contratual
De acordo com o ministro, o STJ tem precedente (REsp 966.163) no sentido de que a Lei Ferrari não restringiu a liberdade contratual das partes a ponto de impedir a denúncia imotivada do contrato – caso em que as obrigações se resolvem em perdas e danos em favor da parte inocente.
“É possível a resolução imotivada do contrato de concessão por qualquer das partes, em respeito à liberdade contratual, sem prejuízo da obrigação de reparar perdas e danos experimentados pela parte inocente”, frisou.
O ministro observou que a jurisprudência do tribunal também prevê a possibilidade de o magistrado emitir juízo sobre a gravidade das infrações imputadas à concessionária, na hipótese de ausência de pactuação de penalidades gradativas, de modo a aferir a culpa pela resolução do contrato (REsp 1.338.292).
Segundo o relator, essa solução de resolver o contrato, mas excluir a indenização, já foi adotada pelo STJ no caso de uma concessionária que se viu impedida de exercer suas atividades em virtude de interdição do estabelecimento por ordem judicial (REsp 790.903).
Deslealdade processual
Sanseverino explicou ainda que o artigo 24 da Lei Ferrari estabelece uma série de parcelas indenizatórias devidas à concessionária quando o concedente “der causa à resolução do contrato”.
Na hipótese em julgamento, como o TJSP entendeu serem graves as infrações praticadas pela concessionária, não há como afastar a sua culpa pela resolução do contrato, afirmou o ministro.
O ministro apontou ainda que a concessionária, “além de ser culpada pela resolução do contrato, sonegou documentos ao perito durante a fase instrutória” do processo. Dessa forma, conceder indenização à concessionária soaria como “um prêmio à deslealdade processual, o que é de todo incompatível com o nosso sistema jurídico”, completou.
Ao negar provimento aos dois recursos especiais, a turma – de forma unânime – confirmou a resolução do contrato sem condenação às indenizações previstas na Lei Ferrari. REsp 1683245
Leia o acórdão.